Sabe quando você vai a uma festa à fantasia e você é o único vestindo a fantasia?
Na verdade isso nunca aconteceu comigo. Mal sei ao certo a sensação de ir a uma festa à fantasias de verdade...as que eu fui foram meio fajutas...
Mas acho
que esta angústia possa ser exemplificada da seguinte forma: imagine que você estava com um grupo
de pessoas que combinou de organizar uma festa à fantasia. Todos estavam
animados a respeito, fazendo planos sobre a festa, falando das muitas
possibilidades de fantasias e de como seria uma festa incrível.
Todos pareciam estar muito inspirados e interessados na festa e
como você sempre gostou da ideia, você entrou de cabeça - você sempre entra de cabeça, não é. Você chegou em casa, tratou de desenhar a fantasia do seu personagem favorito, comprou todo o
material e debruçou-se em uma confecção muito boa, o melhor que conseguia fazer. Finalmente chega o dia da festa. Você está vestido de Aragorn, todo feliz. Então você percebe...
As pessoas não estão
fantasiadas.
Ok, ao menos elas não estão fantasiadas como você imaginou que elas estariam. Elas estão vestindo camisetas temáticas, algumas máscaras de carnaval sem sentido, alguns chapéus e óculos engraçados e talvez alguma pessoa mais ousada tenha feito algum colete com tecido de papelaria e EVA...mas isso não é uma festa à fantasia.
Nada perto daquele entusiasmo que haviam demonstrado - eles haviam demonstrado, não haviam? (ou será que era só você?) . Todos estão te olhando: alguns parecem não te
entender muito bem, outros te olham com desdém, outros com fúria, outros acham engraçado. Mas não é a festa à fantasia de que lhe falaram. Jamais foi, porque agora as fantasias estão jogadas em um canto e todos estão se servindo de comida, conversando, dançando fazendo qualquer outra coisa.
E você está lá: com sua espada de papelão na cintura e um olhar perdido.
Sinto que
foi assim boa parte de minha vida . Eu poderia dizer que é como se
eu tivesse entendido muitas coisas da maneira errada...
Plot twist: hoje eu sei que não existe maneira certa (ou errada)
para muitas coisas.
***
Ser professor proporciona coisas que muitas vezes são difíceis de colocar em palavras. Talvez uma dessas seja a capacidade de olhar para o passado de uma maneira muito intensa. Tão intensa que parece uma viagem, vivenciada com carne e osso .
Pude lembrar, olhando para os meus alunos, como pode ser difícil crescer e se desenvolver, social e psicologicamente, quando você simplesmente não está no mesmo lugar dos seus pares.
Às vezes você é um pouco mais gordinho, ou mais magro. Você gosta mais de brincar com bonecas do que jogar futebol (ou vice-versa). Talvez você seja o filho da professora, ou da empregada, num ambiente em que as pessoas simplesmente não são filhos da professora - e muito menos da empregada. Talvez você só abra a boca para falar de dinossauros, modelos de aviões e dinastias orientais.
Algumas crianças gostam de ficar sozinhas, lendo algum livro no canto mais reservado do jardim da escola. Algumas simplesmente não entendem muito bem as piadas que se fazem - com elas ou com outras pessoas - e na maior parte das vezes essas piadas não são engraçadas de verdade. Também pode ser que a criança goste de estar do outro lado da piada, que ela participe de todos os jogos e festas, que o seu nome seja lembrado até por crianças de outras escolas.Não há nada de errado com nenhuma destas coisas, mas nem sempre isso quer dizer que está tudo bem.
Porque quando estamos descobrindo o mundo com o coração aberto, palavras e gestos cruéis podem apagar todas as luzes.
Há uma palavra pra isso hoje. Vocês sabem qual é. Eu cresci em uma época em que ela não existia, mas não é por isso que não vou usá-la aqui.
Em vez disso prefiro fazer lembrar: viemos para esta festa juntos e estamos todos aprendendo a dançar. Não sabemos quando ela acaba.
E nunca foi uma festa à fantasia. Então você pode se vestir como quiser.
Até de Spider-Man.