sábado, 1 de junho de 2024

Um rito

Não fiz as contas, mas creio que já estou na minha segunda semana consecutiva em que estou escrevendo todos os dias. Poucas coisas mais maravilhosas do que está já me aconteceram - a principal delas foi eu ter tido a sorte de ter me casado com a mulher da minha vida - e eu estou me sentindo como não me sentia há muito, muito tempo. Tanto tempo que na verdade não sei nem mesmo se alçgma vez já aconteceu e nem mesmo sei qual a melhor palavra pra isso. Talvez a palavra seja completo, mesmo que a arte da escrita seja, em essência, algo que opera sobre coisas incompletas. 

Talvez possa parecer estranho que algo tão pequeno pareça tão maravilhoso. Se ao menos estivesse comemorando a publicação de um livro, ou de uma história que o seja, talvez esse entusiasmo todo soasse mais compreensível, justificado. Não sei o que as pessoas pensam a respeito disso pra falar a verdade, não quero saber. Se a questão surge é por ser um resquício de um hábito muito nocivo e que já sinto o cheiro de longe. Estou definitivamente cansado de exercitar ideias de como as pessoas veem certas coisas, principalmente aquelas que só dizem a respeito a mim. Foi isso que prejudicou, em algum momento da minha infância ou adolescência, a arte da escrita, uma arte que sempre foi tão cara para mim. Em algum momento devo ter dado importância demais a algum comentário negativo, alguma piada ou ataque o que acabou mergulhando todas as minhas tentativas de escrita sob camadas e mais camadas de uma autodepreciação intensa escondida sob um véu de autocrítica. Foi difícil vencer isso tudo mas sinto que finalmente venci. 

Bem, eu já falei sobre isso aqui e não quero falar de novo. Quero comentar que estou no que parece ser a metade de um conto de autoficção com boas doses de realismo mágico e que sei que vou terminar. Perceba bem, velho blog: eu sei que vou terminar este conto. Perceba leitor do velho blog: eu escrevi estas palavras!  O prazer em fazê-lo é tamanho que vou até mesmo colocá-lo como citação aqui embaixo.


 "Eu sei que vou terminar de escrever este conto" J.O.S. Quevedo

 

Eu jamais escrevi isso, sequer disse isso a mim mesmo, com tanta certeza e tranquilidade. Na verdade estou tão certo disso que mesmo que os deuses da vida e da morte venham me fazer a visita derradeira daqui há a vinte segundos eu tenho certeza que vou terminar esse conto de alguma maneira. Não acredito em reencarnações, tampouco em paraíso ou inferno, e embora eu tenha suspeitas a respeito da existência de dimensões e universos paralelos (principalmente da maneira em que são apresentados nos episódios de Ricky & Morty) sinto que provavelmente as coisas não devem ser tão simples assim para que alguém ressurja em um mundo absolutamente diferente deste e termine um trabalho que aqui foi iniciado. Ainda assim eu SEI que vou terminar de escrever este conto. Como é bom sentir essa certeza. 

Esse conto é um gesto terapêutico para mim. Através dele estou acessando um sonho que carrego há muito tempo, ressignificando- o e lhe dando mais força. Também é uma espécie de rito onde o meu eu escritor está sendo rebatizado; ou talvez ele precisasse atravessar esse deserto de negação e dúvida por todos estes anos para que então começasse a existir de fato. Ambas as hipóteses são muito interessantes.

Muita força, amor e vida estão pulsando no processo de escrita e ele também está me ajudando a ler de maneira diferente: cada livro que eu leio é como um combustível, não só me abastecendo com ideias, imagens e símbolos, mas também com técnicas. Estou lendo alguns livros e eles estão me falando sobre a arte de cada autor, atitudes que gosto e não gosto, coisas que sei que posso fazer, coisas que ainda não posso e também coisas que sei que posso até fazer melhor se me dedicar adequadamente. Essa leitura se estende para uma leitura do mundo também, mas ela acontece de maneira um pouco mais criativa: uma placa, um olhar, uma bola de sorvete, uma caneca, o aroma da rua...qualquer coisa surge como um sinal para uma história que quer nascer e eu, como um explorador furtivo em dimensões oníricas capturo cada uma destas coisas e as guardo cuidadosamente em uma algibeira. Uma algibeira que guarda quartos e salões, todos devidamente equipados, e bem umedecidos para que essas ideias vigorem e cresçam como árvores gigantescas.

Ainda estou pensando se vou publicar ou não este conto assim que estiver pronto. Por ser uma autoficção é sem dúvida muito pessoal, mas não é isto que talvez impeça-o de ser publicado: ele parece ter sentido apenas como esse rito que mencionei, apenas como uma sinalização de que outras histórias estão vindo. Sim velho blog, pode ter certeza: centenas de histórias estão vindo. Isso porque há outra coisa que posso escrever com uma certeza tão brilhante quanto todos os sois possíveis condensados na ponta de uma agulha:


Eu vou escrever até o fim dos meus dias...até o fim dos meus dias. 


Eu estou no melhor lugar do mundo agora e estou me sentindo a vontade para estar. 

Que todos os seres possam sentir isso um dia.  


Ao que parece os deuses da vida e da morte não estão se opondo. Vou aproveitar cada segundo que tenho. 


4 comentários:

  1. Muito bem! Não há deuses da vida e da morte. Sê o deus de si próprio... e termina o conto. Sê a faísca do teu 'fiat lux'. E que a luz, então, se faça! <3

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  2. Conto concluído, agora é fase da edição. Tenhamos calma! 😄

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