domingo, 26 de maio de 2024

Resmungando sobre a internet.

    Tendo começado a resmungar tecer comentários pertinentes sobre a leitura chegou o momento de fazer o mesmo sobre a internet -sim, logo um dia depois. Falei um pouco sobre o que penso a respeito das redes sociais nos dias de hoje em outro post, mas as questões a respeito de como usamos a internet, dentro ou fora de redes socias, tem me cutucado há bastante tempo, mas sinto que só agora estou conseguindo olhar para elas com uma clareza maior. Estas questões envolvem - além das já mencionadas redes e como nos comunicamos nelas - a maneira como estamos obtendo informação, consumindo entretenimento e arte, educando (a nós mesmos e aos outros) e trabalhando. Hoje entendo um pouco melhor como chegamos aqui e por que, esta é a clareza a qual me refiro; não tenho soluções tampouco estratégias para mudarmos, apenas algumas ideias esperançosas, nada mais. 

    Neste post de hoje, portanto, quero apenas divagar mais uma vez a respeito de um assunto comum e que ao meu ver é um tanto urgente, ainda que essa seja uma urgência de uma natureza tal que não pode ser respondida com mais urgência, mas sim com consideração verdadeiramente atenta, íntima, talvez até vagarosa. Planejo, neste blog mesmo, elaborar uma série de textos apresentando algumas leituras sobre a era em que vivemos e o atual estágio em que estamos, com autores que de fato se debruçam sobre o problema das big techs  e seu incrível poder de adestrar nossos comportamentos e transformar nossa atenção em commodity. Até lá fiquemos apenas com o resmungar. 


***

    O que mais me deixa surpreso com a força dos dispositivos que usamos hoje é como eles implantaram em nossas mentes um hábito de constante procura em momentos de inatividade. Não quero reduzir isto ao clássico "As pessoas não conversam mais, estão apenas grudadas em seus celulares" porque em muitos casos elas estão grudadas em seus celulares conversando com outras pessoas. Também não se trata de condenar quem busca preencher os momentos de inatividade: observar o entorno enquanto se espera na fila do banco ou até que seu pedido fique pronto pode ser uma experiência rica, mas nem sempre queremos fazer isso e aproveitamos para ler algo, por exemplo. Quero apontar para como, na grande maioria das vezes, este preenchimento da inatividade acontece de maneira muito negligente e na maior parte das vezes estamos alimentando comportamentos que na verdade não desejamos ter. 

    Queremos um entretenimento rápido enquanto a nossa vidinha chata passa diante de nossos olhos, mas mesmo que desejemos nos divertir apenas por alguns minutos no Inst4gr4am, não queremos ver anúncios repetidos a cada 20 segundos, tampouco gostamos de todas as trends  que nos assaltam entre um conteúdo e outro. Não queremos nos sentir miseráveis com demonstrações de como a vida de alguém que nem conhecemos direito está indo as mil maravilhas enquanto nós nem se quer temos casa própria ou não conseguimos realizar qualquer outro sonho que carregamos como se fosse uma cruz. Quanto a política, ela acontece da pior maneira possível nas redes: as discussões são tão profundas quanto a tela de um celular e mesmo que alguma informação fértil possa gerar debate, ninguém está realmente preocupado em debater. 

    Sinceramente nem acho que esse é o problema maior. Talvez o problema maior seja buscarmos constantemente um entretenimento, um desvio de tudo aquilo que nos cerca e que de alguma forma nos incomoda. Gostamos de pensar que a vida pode ficar mais fácil com estas distrações , mas acho que lá no fundo todos nós sabemos que a vida é o que tem que ser e muitas vezes uma busca constante por distração na verdade só nos deixa mais ansiosos. 

    Seria um exagero meu? Eu certamente tenho minhas escotilhas de escape para outros mundos e sei que desopilar faz muito bem a saúde. Mas do que estamos estamos desopilando e com que frequência? As vezes penso que são justamente aquelas coisas que me causam desconforto que precisam mais da minha atenção do que a próxima temporada da série ou o próximo nível do game. 

    Sei que alguns de vocês pensam sobre isso, ou melhor, não sei mas espero sinceramente que sim. Este comportamento não tem efeitos a curto prazo e não são individuais: estamos construindo valores com eles e valores sempre são compartilhados, principalmente com os mais jovens. Percebo que uma visão banal da vida está cada vez maior entre eles...alguns até afirmam que viver para além dos 25 já é viver demais. 

    Bem, já usei o termo jovem e expressei meus temores a respeito das futuras gerações. Não sei como posso soar mais velho do que isso. Não é algo ruim, mas melhor para por aqui.


***

    Como falei no penúltimo post, elaborei um novo blog que vai estar todo em inglês. Está numa plataforma diferente que estou testando, mas também estou pensando na possibilidade de abrir uma página própria através do Neocities; isso faz parte das ideias esperançosas para a internet, as quais quero abordar nos próximos posts.

    Obrigado se chegou até aqui. Até a próxima!

sexta-feira, 24 de maio de 2024

Resmungando sobre leitura

     Essa semana me lembrei de uma série de livros que li ainda no ensino fundamental. Lembro do corredor que levava à pequena biblioteca da Escola Medianeira e de carregar aquele primeiro livro curiosíssimo nas mãos até a sala de aula, enquanto multidões de outras crianças corriam em ambos os sentidos. Depois disso lembro de não largar aquele livro até chegar em sua última palavra, de tão bom que era. Lembro de estar lendo ele enquanto comia o delicioso cachorro quente prensado no recreio, à noite embaixo das cobertas com uma lanterna para dar mais emoção e junto com uma caneca de nescau pela manhã. 

    Memórias como muitos de nós sabemos são essencialmente falsas, projeções, e acredito que estas a respeito destes livros são especialmente falsas. Não poderia ter tantos detalhes a respeito de um livro que li com apenas 12 anos de idade. Entretanto, se elas surgem assim, com um teor marcante, é porque têm alguma coisa a dizer e o principal é isso: aquela era uma coleção verdadeiramente boa. A coleção se chama Turma do Tigre. No Brasil, ao que parece, foi publicada com dois títulos: este e Olho no lance, o que na verdade me parece ser um selo, ou coleção maior que incluía outros títulos... o que para mim é um tanto estranho porque nunca vi nenhum outro livro dessa mesma coleção a não ser a sequência de histórias da Turma do Tigre. Enfim...

Alguns dos livros dessa coleção que vinha com aparatos de investigação. Genial. 

    Essa era uma coleção muito especial lá no começo dos anos 2000. O primeiro livro que li dessa coleção, intitulado Mistério em Veneza, em quase tudo era como qualquer outro romance infanto-juvenil: uma aventura simples, envolvendo um grupo de jovens que ajuda a resolver um mistério (neste caso, um assassinato). A diferença é que além de ser uma narrativa verdadeiramente boa (muitas obras infanto-juvenis menosprezavam a capacidade crítica das crianças antigamente e acabavam socando histórias imbecis demais naqueles livros... um crime) os livros também contavam com um elemento muito especial: uma pastinha que ficava no verso da contracapa do livro repleta de "ferramentas" que inseriam o leitor na investigação dos mistérios que o grupo de personagens vivia.  Eram figuras, molduras e fichas impressas em papel cartão que sempre tinham relações com as ilustrações do livro ou então davam informações a respeito da história, informações estas que não estavam na narrativa principal. Durante a leitura, ou depois dela, você poderia usar estas ferramentas para desvendar o mistério antes do próximo capítulo, que certamente lhe levaria à conclusões a que você preferiria ter chegado sozinho. No fim da história a narrativa deixaria a solução do caso em mistério e só um bom leitor poderia chegar à sua solução - os maus leitores usavam uma espécie de cartão feita de filme vermelho que revelava as soluções dos casos em uma página especial, coberta de letras e sinais vermelhos. Não sou exatamente um fã de romances policiais, mas se gosto de alguns deles devo parte desse gosto a esta coleção escrita por Thomas Brezina. 


Aqui começo a resmungar sobre a hipocrisia da leitura em nosso país (aprecie).

    Talvez Brezina realmente tenha pensado em fazer um romance diferente para crianças simplesmente porque crianças queriam algo diferente, mas essa é uma especulação muito descompromissada de minha parte. Lembro que criações como estas, que usavam de aparatos para atrair crianças à leitura eram muito comuns naquela época. A lembrança desta coleção também me leva a lembrar que nessa época tínhamos uma campanha sempre presente de incentivo à leitura em nosso país. Não exatamente uma campanha, mas uma atitude que enxergava a leitura como algo importante: diziam às crianças que era importantíssimo ler, que isso as ajudava a compreender o mundo, a crescer de maneira inteligente e ainda por cima que a leitura era uma forma de arte genuinamente prazerosa. Adultos, mesmo que não fossem dados a leitura, se dispunham a ler algo perto de seus filhos, nem que fosse Dan Brown, ao menos para mostrar pra eles que estavam dizendo a verdade. 

    O discurso de que a leitura segue sendo importante continua presente, mas agora sim soa como uma campanha. Uma daquelas campanhas chatas que ninguém quer fazer. É como se existisse uma camiseta branca com letras coloridas e em formato de balão de festa dizendo "Ler é demais!" e todo mundo, ao tocar no assunto, se visse obrigado a vestir essa camiseta ridícula. Uma camiseta apertada que não serve muito bem em ninguém, tão constrangedora que deixa seus mamilos aparecendo, mas mesmo que seja bastante desconfortável nós adultos mergulhamos nossa cara em um balde de hipocrisia e exigimos isso dos mais jovens, como se tivéssemos ao menos um par de livros lidos no ano (quando muito). 

Campanhas de promoção a leitura deviam ser honestas, como essa tirinha.

    Recentemente tenho trabalhado leitura com meus alunos e minha atenção agora, diferente de como era há alguns anos atrás, não está tão focada em fazê-los gostar de ler mas sim em perceber a importância de ler, de ler corretamente e bem. Isso porque sei que a leitura é uma habilidade que desenvolve a mente, amplia um referencial de memórias e experiências e nos capacita a compreender qualquer discurso; e quanto mais lemos, e mais nos desafiamos com leituras mais complexas e diferentes, mais profundamente podemos compreender estes discursos. 

    Tenho mostrado a eles algumas ideias de como a relação que temos com a informação hoje em dia pode ser problemática para desenvolver alguma compreensão dos temas que estas informações trazem, o que certamente é problemático uma vez que se leva essa compreensão à frente, para uma leitura de mundo. Me deparo com autores que perceberam este problema ainda nos anos 70 e fico sinceramente preocupado porque essa relação com a informação que temos hoje é ainda mais volátil e célere enquanto nossa compreensão parece cada vez mais frágil e oca.  A impressão que tenho - e quero me limitar apenas a ter uma impressão disso- é que a comunicação através de mídia audiovisual está tão penetrada na vivência das gerações mais novas que qualquer aproximação com um meio textual, que não esteja atrelado a estes mídias, lhes parecem algo intransponível. Hoje mesmo alguém me disse que não consegue ler um texto com mais de 10 linhas, não como uma falta de interesse mas sim como um impedimento, como se o cérebro não pudesse produzir a química necessaria para manter a atenção para além de 10 linhas. 

    Ainda assim insistimos em tratar a leitura como algo "bonitinho e importante", algo que mais importa lembrar de se fazer do que fazer de fato. Se estamos mesmo lendo e tendo a leitura como uma arte importante talvez nos falte conversas legítimas sobre nossas leituras, debates que nos levem além de concordâncias e discordâncias e principalmente carecemos de releituras, de intertextualidade, porque de nada adianta visitarmos conceitos uma única vez, tampouco isolá-los como se não estivessem intrinsicamente ligados a nossa vida e nosso mundo. 

***

    Nossa. Era pra ser só uma lembrança feliz e acabei escrevendo um post inteiro de reclamação. Tô ficando meio velho ranzinza, eu acho. Isso é bom. 

    Não escrevi nada em abril mas as coisas estão mudando pra melhor agora. Há mais energia e mais tempo fluindo por aqui: tenho escrito quase todos os dias e isso tá me trazendo uma alegria imensa e pra celebrar isso acho que posso começar a escrever com uma certa periodicidade aqui no blog. Ao menos uma vez por semana, acho que isso pode ser bom. 

    Além disso também vou começar um outro blog porque dois blogues é muito pouco, não é mesmo? Esse novo blog vai ser todo em inglês; tem coisas que eu sinto que são melhores de se escrever em inglês, como resenhas de álbuns de metal e dungeon synth, algumas resenhas de livros e games e quem sabe umas historinhas mais bizarras. Quando o primeiro post estiver pronto logo (o que acho que já vai ser amanhã) vou deixar o link por aqui e outros lugares. 

    É isso, nobre ser que lê minhas insólitas e resmunguentas palavras.

    Obrigado por estar aqui.