sábado, 5 de setembro de 2020

Das sombras uma luz surgirá...

Nesta quarta-feira 2 de setembro de 2020 é uma data que geralmente ignoro, mas este ano decidi que não posso mais ignorar.. Este foi o dia em que, há quarenta e sete anos atrás, um dos maiores autores que a humanidade já conheceu deixou esta vida aos seus 81 anos de idade, depois de  trazer à luz  histórias que influenciaram, influenciam e - se depender de mim - influenciarão muitas crianças e adultos. Quem bem me conhece já sabe sobre quem vou escrever a respeito logo no título do post, mas para quem ainda não não foi importunado pelos meus discursos emocionados a respeito de tudo que venho (re)aprendendo a respeito de Beleriand e Terra Média, desde que tenho 12 anos de idade, preciso fazer as devidas apresentações: hoje vou lhes contar a respeito de John Ronald Reuel Tolkien. Se você está na faixa dos 15 anos de idade há chances de que você não saiba quem ele foi - apesar de compreender que isso é possível a ideia me entristece; na verdade se você está com essa idade você provavelmente é uma de minhas alunas ou alunos, então arrume um lugar confortável para sentar, prepare uma bebida quente e leia atentamente: não vou cobrar nada sobre ele em nossas aulas, mas vou lhes dizer a respeito de alguém que foi fascinante. 

Não quero ser enciclopédico aqui e dizer coisas que vocês podem facilmente encontrar em outros sites e de maneira bem organizada, então serei breve: Tolkien foi um professor, filólogo e escritor inglês. A carreira acadêmica como estudioso do inglês antigo (ou anglo-saxão) tomou grande parte de sua vida, mas foram suas obras de ficção e poesia que fizeram com que seu nome entrasse para a história.  Suas obras primas O Hobbit e O Senhor dos Aneis, são as primeiras a vir a mente de qualquer pessoa que já tenha lido a seu respeito, mas outras obras como O Silmarillion, Roverandon, Béren e Lúthien, Cartas do Papai Noel também são notáveis. As adaptações cinematográficas para O Senhor dos Aneis são umas das obras mais bem sucedidas da história recente do cinema (O Retorno do Rei, terceiro filme da trilogia, ganhou as onze indicações ao oscar que recebeu) e são uma ótima porta de entrada para quem quer conhecer mais a respeito do Professor, como ele é conhecido pelos fãs.

Se você ler ou ouvir algum elogio a Tolkien é muito provavel que a pessoa já seja um fã, mas um bom fã não tece elogios apenas, pois falar que Tolkien é maravilhoso não basta: é preciso mostrar o porquê.

Sempre fico muito nostálgico quando falo a respeito dele e há boas razões para isso. Descobri O Hobbit ainda no ensino fundamental durante uma feira de livros que aconteceu na escola em que eu estudava (Escola Medianeira, hoje chamada Volare onde orgulhosamente sou professor de inglês). Era uma edição em quadrinhos de  O Hobbit e na época algumas crianças já estavam animadas com os filmes da Trilogia do Anel, mas eu mal podia imaginar que aquele livro tinha algo a ver com a história daqueles filmes. Aquela foi uma das edições mais interessantes na qual já pus minhas mãos: os desenhos seguiam um estilo clássico e o livro era largo e grande, o que fazia com que cada páginaparecesse um verdadeeiro quadro...se eu fechar meus olhos posso sentir até mesmo o cheiro daquele livro...

Pois é,.. eu disse que ficaria nostálgico. Estas sensações, no entanto, são apenas extras do que descobri e aprendi com Tolkien. Hoje eu já não tenho mais aquela edição em quadrinhos, mas trago como verdadeiras jóias duas das maiores lições que aquela história me ensinou: autoconfiança e amizade.


Coisas inesperadas

A aventura do Sr. Bilbo Baggins começa em uma manhã comum: depois de seu primeiro café da manhã (hobbits tem sete refeições ao dia...sim eu também me identifico muito com eles) Bilbo sentou em frente a sua toca para apreciar a manhã com seu longo cachimbo: o clima estava ameno e os vizinhos não faziam barulho; nada sugeria que algo muito excitante iria acontecer. Foi quando Gandalf, um mago cuja fama ultrapassava fronteiras e cujo nome sempre figurava em relatos das mais grandiosas aventuras. Lá estava aquela figura lendária em frente a casa do pacato hobbit que depois de ter feito a recepção mais atrapalhada possível se viu convidado pelo mago para embarcar em uma aventura. Um hobbit da família Baggins em uma aventura: nada podia soar mais absurdo. Ainda assim, em poucos dias Bilbo se viu cruzando fronteiras as quais sequer pensou que colocaria os olhos, enfrentou situações inconcebíveis para a sua vida tranquila ao lado de pessoas que jamais pensou que encontraria.

Certamente não vou lhe contar em detalhes o que são estas aventuras e quem são estas pessoas, estaria lhe roubando a descoberta da leitura, mas o que falei serve para que possamos olhar para a lição de autoconfiança e coragem que Bilbo Baggins me trouxe. Passamos a maior parte de nossas vidas nos acostumando às coisas: donos de casa, bancárias, professores, advogadas, sejam quais forem nossas funções nos habituamos a elas a ponto de nos identificarmos, "sou professor". O mesmo acontece com o ambiente em que vivemos, o que comemos, o que assistimos e lemos, o que fazemos no tempo livre. Tudo isso vai formando uma espécie de condensação no nosso pensar e logo nos vemos tão identificados com estas coisas a ponto de nos sentirmos presas a elas e a nada mais. De repente surge aquela oportunidade de emprego em uma outra cidade, ou então somos demitidos porque a direção da companhia pela qual trabalhamos mudou; vamos a uma festa sem uxpectativa nenhuma e acabamos encontrando o amor de nossas vidas,  ou então  de repente uma doença estranha aparece e perdemos alguém que amávamos muito. Tentamos enxergar e construir padrões em nossa vida para pensarmos que tudo está e vai ficar bem, tudo vai continuar muito calmo, mas no fundo nunca estamos preparados para tudo - mesmo quando pensando estar nos preparando.

Na hitória de Bilbo vemos como ele parte para esta aventura de maneira muito abrupta, contradizendo sua natureza pacata e metódica e apesar das dificuldades que ele enfrenta - dificuldades verdadeiramente mortais - ele sobrevive, e o faz com uma coragem que parte de uma força secreta de seu coração. Isto é coragem. Ao examinar de longe situações desafiadoras imaginamos que soluções só podem partir de uma outra pessoas ou de circunstâncias externas a nós, mas quando estas situações acontecem  percebemos que podemos fazer algo - que precisamos fazer algo -  e assim nasce a verdadeira coragem, e a partir dela podemos ver o quanto somos capazes. Isto já é a autoconfiança. 


Companhias estranhas

Como eu disse Bilbo acaba conhecendo pessoas que jamais imaginou conhecer: indivíduos peculiares de espírito muito diferente do seu. Da mesma maneira que elaboramos rótulos para nossos pensamentos e hábitos, títulos para o que somos ou não somos, também o fazemos para as pessoas que nos cercam. Não nos sentimos semelhantes a determinadas pessoas porque não compartilhamos determinados gostos ou pontos de vista, mas esquecemos todo o resto que nos faz tão mais póixmos do que distantes. 

Ao conviver com estas pessoas que a primeira vista nos parecem tão distantes e diferentes vamos percebendo que elas guardam os mesmos sentimentos que temos: todas elas tem sonhos, perspectivas, amor por alguém. Nossos objetivos e expedientes podem ser muito diferentes, mas em algum ponto somos muito mais parecidos do que imaginávamos. Assim como Bilbo sempre fui muito pacato, mas além disso muito tímido. Logo jamais pensei que pudesse ter os amigos que tenho hoje: pessoas extrovertidas, corajosas e empolgantes. Elas também me ajudaram a aprender um pouco de coragem, no enjtanto o mais precioso destas amizades foi aprender que minhas diferenças não me tornavam melhor ou pior do que qualquer pessoa e que eu poderia ser amado sendo a pessoa que sou. Creio que o Sr. Baggins aprende algo parecido: ele não era um aventureiro experiente e não conhecia muito a respeito do mundo, mas afinal soube que sua experiência e espírito ajudaram naquela grandiosa aventura. 

Para encerrar vou deixar este poema que se encontra em A Sociedade do Anel, primeiro livro da trilogia de Senhor dos Aneis. 

All that is gold does not glitter,
Not all those who wander are lost;
The old that is strong does not wither,
Deep roots are not reached by the frost.

From the ashes a fire shall be woken,
A light from the shadows shall spring;
Renewed shall be blade that was broken,
The crownless again shall be king

A tradução é a seguinte: "Nem tudo que é ouro brilha/ Nem todos que vagam estão perdidos/ O velho que é forte não fenece/ Raízes profundas não são atingidas pela geada/ Das cinzas uma chama será desperta/ Uma luz das sombras surgirá/ Renovada será a lâmina partida/ O descoroado mais uma vez será rei"

Quando se trata de lembrar de pessoas que já não estão mais entre nós sempre prefiro lembrar através da data de nascimento, pelo simbolismo de vida que ela traz. Por isso fiquei me perguntando se seria sábio escrever sobre a data de falecimento de Tolkien. Acho que perceber que a morte é uma etapa natural da vida faz parte desta jornada. Ela sem dúvida é tão desafiadora quanto tantas outras etapas e talvez vê-la da maneira mais natural possível seja um bom caminho. 

Este é um dos meus poemas favoritos da obra de Tolkien e penso que fale daquela mesma coragem, daquela mesma força secreta que Bilbo usou em sua jornada e que todos nós, de uma maneira ou outra, usamos em nossas vidas. Para compreender amorte talvez precisemos usar esta chama.

Pode ser que haja algo mais neste poema que eu ainda não percebi; algo que você pode perceber. Por isso não vou escrever mais sobre ele - por enquanto - e vou deixá-lo aqui. Espero que tenha gostado e espero que algum dia você também leia O Hobbit.


Elen síla lúmenn' omentielvo.

 


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