sexta-feira, 5 de julho de 2024

Prazeres edificantes

    Finalmente é sexta-feira e podemos todos largar o pesado fardo da semana no chão com alívio. Bem, quase todos nós...as pessoas que trabalham nos postos de pedágio ainda tem uma longa noite pela frente, assim como enfermeiras de plantão. Há também aquelas pessoas que precisam trabalhar aos sábados e domingos para complementar a renda...e aquelas que precisam continuar a procurar por trabalho. 
Mortificar: atormentar ou causar desgosto

    Bem, eu não queria apenas mortificar você. Na verdade, apesar da dura realidade proporcionada por nossa sociedade capetalista, sempre fico feliz com as sextas-feiras, assim como a maioria das pessoas. A falsa sensação de liberdade, relaxamento e dever cumprido sempre tem um gosto bom e a sexta-feira nos proporciona isso: é o dia que paramos de trabalhar por um tempinho para nos dedicarmos aquilo que realmente amamos fazer, né?

    Ou é o que a gente pensa que faz. 

    Hoje eu quero falar sobre isso: as coisas que a gente gosta de fazer, que a gente acha que gosta de fazer e aquelas coisas que, talvez, a gente verdadeiramente ama fazer. 


    Videogames sempre foram uma coisa fascinante pra mim, desde que eu ganhei me primeiro Mega Drive usado aos 6 anos de idade - que na verdade era um Sega Genesis, a versão gringa, o que fez com que eu acreditasse por um bom tempo que eu tinha uma versão especial do console. Desde lá sou um fã, como muito outros anciãos de 34 anos de hoje em dia que não praticam esporte algum. Adorava jogar Sonic, Aero The Acro-Bat, Splatterhouse 2, True Lies, Warlock. Alguns anos mais tarde também tive a alegria de ter um Super Nintendo e com ele joguei muitos títulos, tantos que não dá pra fazer uma lista honesta aqui, mas posso citar algumas pérolas: Blackthorne, Space Megaforce, Cybernator e é claro The Ninja Warriors. Depois disso na adolescência tive um Playstation e depois um Playstation 2 - não me aventuro a tentar lembrar dos jogos que joguei com eles - e então minha história com os consoles acabou por aí mesmo. Depois disso me dediquei mais aos livros e aos quadrinhos.

    Só depois que comprei meu primeiro computador é que voltei aos games novamente. Foi como libertar uma criança que havia sido enjaulada em um calabouço sem acesso a qualquer tipo de diversão: todos os jogos que não pude jogar nas últimas duas décadas tratava de jogar - bem, talvez não todos os jogos, mas grande parte deles. Além destes também sempre procurei jogar lançamentos, novidades e isso sempre foi muito divertido, mas nos últimos anos tenho sentido que minha relação com os videogames, e atividades lúdicas no geral, mudaram muito.


Um dos melhores jogos já feitos pela humanidade.

 
    Lembro que o que mais me atraia em um videogames, além da capacidade de proporcionar prazer e envolvimento, era também uma capacidade de fazer com que eu me encantasse, e imaginasse coisas que não estavam nele: se o jogo era a história de um jovem guerreiro que enfrenta um terrível demônio, bem eu gostaria de imaginar como seria a jornada do demônio até que ele fosse morto pelo protagonista. Só depois de um tempo é que fui me dar conta que essa era uma dimensão artística dos videogames. Sim, comecei a entender que videogame é arte - não importando muito o que aquela sua amiga blasé dissesse - e comecei a explorar como isso podia alimentar a parte criativa de minha mente. Foi uma época que joguei muitos jogos indie como Braid, Limbo, Hotline Miami e muitos outros, mas também buscava encontrar essa arte em jogos mais standard e sempre encontrei algo inspirador de uma maneira ou outra. Mas como falei no parágrafo passado - e desviei completamente do assunto - comecei a perceber que os jogos, por mais que a grande maioria investisse em narrativas, aspectos gráficos e às vezes até em mecânicas diferentes, estavam ficando... um tanto chatos. 

    Uma das coisas que mais me deixam cansados com os jogos de hoje em dia é que parece ter uma espécie de érrepegização generalizada. Hoje vc vai jogar um Forza Horizon e tem historinha, sabe? E geralmente é uma história muito mal escrita. Sinceramente não acho que forçar aspectos narrativos de forma generalizada deixe os jogos mais interessantes; alguns gêneros são melhores se não forem voltados para narrativas. Não quero centenas de cutscenes se tudo o que mais quero é correr numa pista ou sair batendo em personagens aleatoriamente. 

    Além disso os jogos estão cada vez mais sendo desenvolvidos para prender a atenção dos seus jogadores do que de fato proporcionar algum prazer legítimo.  A grande maioria da indústria parece estar mais interessada em escravizar mentes do que proporcionar bons jogos, boa arte. 

    Além disso estou ficando com pouca paciência pra jogos imersivos ou que se pretendem assim. Como falei antes, muitas vezes os jogos apenas usam técnicas batidas dos "RPGs de video-game" (diferentes de verdadeiros RPGs, aqueles de mesa, em que você de fato interpreta e vive uma história) e tudo se resume a ficar horas e horas na frente de uma tela só pra dizer que você chegou no fim de uma história. Sinceramente, se for pra ser assim prefiro ir aos livros. Por isso ultimamente tenho preferido jogos arcade, como shmups e beat'em ups, que são mais direto ao ponto e que ainda assim conseguem ter uma certa arte. Ou talvez eu só esteja ficando ranzinza mesmo. 

Carnificina na sala de estar era uma das minhas atividades favoritas. 




    Bom, esse essa conversa toda sobre videogames na verdade foi uma grande volta, porque eu quero falar de prazeres edificantes. Atividades e hobbies que ao mesmo tempo que estão te divertindo estão aprimorando algo em você, cultivando coisas boas, te deixando mais inteligente, mais esperto, mais criativo e mais conectado com você mesmo, como isso que estou fazendo agora: escrevendo um blog. É uma coisa que me ajuda a colocar as ideias no lugar, tem uma certa função catártica e é muito, muito divertido pra mim. 

    Jogar RPG Solo (de mesa) também faz a mesma coisa comigo, assim como ler artigos de divulgação científica, ler romances, jogar xadrez e também Magic The Gathering (que, como o meu grande amigo PH me ensinou, começa com montar o seu próprio deck de cartas). Estes hobbies me proporcionam uma diversão que penso ser inesgotável e ao mesmo tempo uma sensação de que estou construindo algo muito profundo, mas mesmo assim me vejo colocando muita atenção em diversões mais "fáceis", que dão uma resposta prazerosa mais rápida...como alguns videogames. 

    Não são os shmups e arcades que mencionei antes, afinal com estes sei que o jogo acaba rápido e eu posso parar (ou recomeçar) quantas vezes eu quiser. Falo de outros jogos que parecem cobrar uma certa obrigação como Diablo 4: este é um jogo muito bom, de verdade, mas como ele é online e tem toda uma lógica de evolução de personagens em temporadas, parece que se você não fizer tudo até o fim da temporada você não está jogando da maneira certa. Então o game vira um dever de casa e isso funciona muito bem pra chamar sua atenção, mas será que lá no fundo proporciona tanta satisfação assim?

    Acho que o mesmo pode acontecer com outras formas de entretenimento hoje em dia, como com a assinatura de serviços de streaming: a pessoa se vê meio que obrigada a assistir alguma série ou filme pra justificar a fatura no fim do mês. 

    (Acabo de me lembrar das redes sociais: elas também tem esse mesmo peso. Desde que apaguei meu Instagram sou uma pessoa mais feliz). 

    Dia desses, antes dormir, me surgiu uma frase.

Keep the flame. Tend to it with wisdom, care, and joy. 

    Acho que tem que ser por aí, com quase tudo que a gente faz na vida. Obviamente não temos controle sobre tudo, mas sobre aquilo que podemos ter, temos de ser cuidadosos. Isso não quer dizer que abolir algumas indulgências, deleitar-se com coisas mais descomplicadas, na verdade acho que isso é essencial, mas dá pra ter o cuidado de dosar isso de forma que contribua pra sua inspiração, pra criatividade, pra abrir portais dentro da mente. Prazeres edificantes.

    

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